sábado, 14 de fevereiro de 2009

A chave da liberdade (dos espinhos)


Referência ao post "Espinhos".

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"...Cristo nos libertou de muitas coisas (o aspecto negativo da liberdade). Mas, sempre que pensarmos sobre a liberdade, é importante pensar também no propósito para o qual somos libertos (o aspecto positivo).

Deixe-me agora desenvolver essa tese, de que a verdadeira liberdade é a liberdade para se ser um eu verdadeiro como Deus nos fez e desejou que fôssemos. Comecemos com o próprio Deus. Ele é o único ser que desfruta a perfeita liberdade. Você poderia argumentar que a liberdade de Deus não é perfeita, que ela por certo não é absoluta no sentido de que ele seja livre para fazer absolutamente qualquer coisa. Há algumas coisas que as Escrituras dizem que Deus "não pode" fazer. Ele não pode mentir, não pode pecar, não pode tentar nem ser tentado. Assim, a sua liberdade não é absoluta, mas é perfeita, porque Ele é livre para fazer qualquer coisa que queira. Todas as coisas que Deus não pode fazer dizem respeito à regra geral de que Ele não pode negar ou contradizer a si mesmo (2 Tm 2:13). Ele é sempre e inteiramente Ele mesmo. Não há nada arbitrário, nada mutável, nada impulsivo sobre Deus. Ele é sempre o mesmo. Ele nunca muda. Ele é firme e inabalável. Ele encontra sua liberdade em ser seu verdadeiro eu como Deus. Se contradissesse a Si mesmo, Ele se autodestruiria e deixaria de ser Deus. Mas, ao contrário, Ele continua sendo Ele mesmo e nunca se desvia do seu próprio ser. Como seria o inverso, se Deus por um momento deixasse de ser inteiramente Ele mesmo?

Passemos agora de Deus, o Criador, para todas as criaturas, e descobriremos o mesmo princípio operante. A liberdade absoluta, ilimitada, é uma ilusão, uma impossibilidade. A liberdade de todas as criaturas está limitada por sua própria natureza criada. Tomemos o claro exemplo de um peixe. Deus criou o peixe para viver e crescer no ambiente aquático. Suas guelras são adaptadas para absorver oxigênio da água. Eles encontram a sua liberdade de serem eles mesmos dentro do elemento no qual um peixe encontra sua essência, sua identidade, sua liberdade. Observe que a água impõe uma limitação ao peixe, mas nessa limitação está a liberdade. A sua liberdade é ser ele mesmo dentro dos limites que o Criador lhe impôs. Imaginemos uma daquelas tigelas esféricas para peixes. Suponhamos que um peixinho nade dentro dela de um lado para o outro, até que sinta sua frustração chegar a um ponto insustentável e decida apostar na liberdade saltando do aquário. Se ele conseguisse cair em uma lagoa num jardim, sua liberdade aumentaria. Ele estaria na água, mas haveria muito mais água na qual nadar. Porém, se ele caísse sobre o concreto ou sobre um tapete, sua aposta por liberdade se tornaria em morte. O peixe só pode encontrar a liberdade dentro do elemento para o qual foi criado.

Voltemo-nos agora para os seres humanos. Se os peixes foram feitos para a água, para que foram feitos os seres humanos? Por certo a resposta bíblica é que, se os peixes foram feitos para a água, os seres humanos foram feitos para amar a Deus e o próximo. O amor é o elemento no qual os seres humanos encontram a sua distintiva humanidade. Robert Southwell, poeta católico romano do século 16, escreveu: "Eu vivo, não onde respiro, mas onde amo". Ele estava reproduzindo, de maneira consciente, a declaração de Agostinho de que a alma vive quando ama, não quando existe. Uma existência autenticamente humana é impossível sem amor.

Isso nos leva a um paradoxo surpreendente. Deixe-me declará-lo simplesmente assim: a verdadeira liberdade é a liberdade de ser o meu eu verdadeiro, como Deus me fez e planejou que eu fosse. Mas Deus me fez para amar, e amar é dar, dar de si. Portanto, para que eu seja eu mesmo, tenho de negar-me a mim mesmo e dar de mim em amor a Deus e aos outros. A fim de ser livre, tenho de servir. A fim de viver, tenho de morrer para a minha própria autocentralidade. A fim de me encontrar, tenho de perder a mim mesmo no amor. Li certa vez que Michelangelo expressou esse conceito maravilhosamente nestas palavras: "Quando sou teu, então, por fim, sou completamente eu mesmo". Não sou eu mesmo até que seja teu (de Deus e dos outros).

Assim, a liberdade é exatamente o oposto do qua a maioria das pessoas pensa que ela seja. Lembro-me de um estudante finlandês da Universidade de Helsinki que me disse: "Tão somente se eu estivesse livre de responsabilidade para com Deus e para com as outrs pessoas, eu poderia viver para mim mesmo. Então eu seria livre". Mas a verdadeira liberdade é o oposto. É a libertação de uma preocupação com o meu pequeno eu, tolo, a fim de ser livre para amar a Deus e ao meu próximo.

O próprio Jesus ensinou esse paradoxo fundamental da liberdade. Ele disse: "quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho, a salvará" (Mc 8:35).

Eu costumava pensar que Ele estivesse se referindo a mártires e ao fato de se perder ou ganhar, literal e fisicamente, a vida; mas o substantivo grego traduzido como "vida" é psyche, que em muitos contextos é melhor traduzido por "eu". Ou pode significar "você mesmo". Uma tradução moderna poderia ser:

Se você insistir em agarrar-se a si mesmo e viver para si mesmo, e recusar-se a deixar que o seu ego se vá, você se perderá. Mas, se você estiver preparado para se perder, para dar-se a si mesmo por amor a Deus e aos seus semelhantes, então, nesse momento de completo abandono, quando você pensar que perdeu todas as coisas, o milagre acontecerá e você encontrará a si mesmo.


Cristo é a chave para a liberdade, e essa é a quinta razão por que sou Cristão."