segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Missões, os talmidim, Martin Luther King Jr, e o que isso tudo tem a ver com o Brasil

Os onze discípulos foram para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes indicara. Quando o viram o adoraram; mas alguns duvidaram. Então, Jesus aproximou-se deles e disse: "Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos" (Mateus 28:16-20)

Atualmente, o número de Evangélicos no Brasil cresce numa proporção maior do que a própria população Brasileira. O que é alarmante nisso é que a conseqüência lógica de tal fato deveria ser uma população moralmente melhor, mais parecida com o Deus que diz professar, mas, não é isso que temos visto. Pelo contrário, observa-se que o país tem caminhado rumo à decadência ética e moral, com uma séria inversão de valores e até mesmo a perda do respeito pela igreja por parte do restante da população. Como dito, desse crescimento numérico, espera-se um país mais parecido com Deus, mas o que tem acontecido é justamente o contrário. A pergunta é: por quê?

Talvez, parte da resposta esteja na forma como tem se feito missões. Fala-se muito no "ide" e em "nações", mas no texto de Mateus, o foco não parece estar nessas coisas; pelo contrário, elas aparecem como acessórias. O foco do texto, e da grande comissão, é fazer discípulos.

Diz-se que o Evangelho segundo Mateus foi escrito para os Judeus, o povo que originalmente recebeu as promessas e a Lei de Deus, mas que agora viam inúmeros de seus paradigmas culturais e religiosos sendo quebrados pelo Messias por quem esperavam. Esse povo, os Judeus convertidos, tinham fé, mas precisavam aprender uma nova maneira de viver essa fé.

No tempo de Jesus, os Judeus contavam com um sistema de mestres, os Rabinos (o próprio Jesus foi chamado de Rabi), que eram responsáveis por ensinar a Palavra às pessoas e treinar discípulos, os Talmidim, para que eventualmente estes dessem continuidade àquele ensino.

Aos 5 anos de idade, uma criança na Galiléia começava a aprender sobre o Pentateuco, daí seguiam várias etapas, nas quais alguns paravam com o ensino "religioso" para perseguir outro ofício, e os "melhores" continuavam com esse estudo até o ponto em que eles escolhiam um Rabino cujo ensino admirassem, para viajar com ele e dele aprender. Somente os melhores alunos tinham a oportunidade de se candidatar a ser Talmidim, discípulos.

Ademais, um Talmidim não era um mero aluno. Além de vir de um grupo seleto, dos "melhores", um Talmidim não queria apenas aprender aquilo que seu mestre (Rabi) tinha para ensinar; ele queria ser igual ao mestre, ao ponto que dizia-se que um discípulo acompanhava seu mestre de tão perto e tão intensamente, que ao final de um dia de caminhada ele estaria coberto pela poeira levantada pelas sandálias de seu Rabino.

Jesus modificou "um pouco" essa ordem. Jesus (que começou seu ministério por volta dos 30 anos, como "qualquer" Rabino) não esperou por candidatos a Talmidim. Ele escolheu seus próprios discípulos (João 15:16). E eles não eram os melhores. Os doze que Jesus escolhera para ensinar fugiam completamente aos moldes tradicionais de um Talmidim. E mais, a esses doze, Ele deu a missão de irem e fazerem com que outros, de TODAS as nações, se tornassem discípulos como eles, para guardar tudo aquilo que Ele, Jesus, ensinara. E essa foi a missão dos apóstolos (do grego apostolos, emissário ou mensageiro), ir e fazer com outros aquilo que Jesus fez com eles. Torná-los discípulos, seus imitadores, assim como eles eram imitadores de Cristo (1 Coríntios 11:1).

O problema atual é que esse foco se perdeu.

Aqueles que hoje se auto-denominam "apóstolos", por muitas vezes não carregam a mesma mensagem que Cristo passou aos doze. Em uma generalização superficial (atentar para o generalização, e, o superficial), pode-se dizer que as igrejas tradicionais reduziram seu foco ao mero ensino de algumas verdades a serem acreditadas (e nem sempre seguidas), que os pentecostais valorizam as experiências e sentimentos em detrimento da sã doutrina, e que os neo-pentecostais tratam a Palavra como um manual de auto-ajuda sobre como obter sucesso material e o "culto" como uma forma alternativa às drogas de obter um "êxtase" momentâneo.

Para muitos "cristãos", a vida tem basicamente apenas dois momentos: o de levantar a mão na igreja e o de chegar ao Céu. Parece que pouco importa o que se faz no intervalo entre um momento e outro, e que a existência do primeiro garante a existência do segundo. Mas a verdade, é que há toda uma vida a ser vivida, e que para o cristão, essa deve ser uma vida de discipulado, uma vida de imitação a Cristo.

Ser discípulo não é receber benção, crer em algo, ter algumas experiências, sucesso, ou até mesmo terminar o curso de "discipulado" da igreja (normalmente feito em 12 lições). Um discípulo tem que buscar ser igual ao seu mestre.

Mateus deixa claro que a grande comissão se trata de fazer discípulos, e isso consiste em ensinar as pessoas sobre Cristo e quem Ele é, para que estas por sua vez tornem-se semelhantes a Ele.

Esse deve ser o foco das nossas "missões". Esse deve ser o foco de nosso "ensino". E é isso que precisamos ensinar as pessoas a VIVER.

Não, levantar a mão na igreja uma vez na vida não garante que você chegue ao Céu. Não que sejam suas obras que o salvem (Efésios 2:8-9), mas, a fé sem obras é morta (Tiago 2:17). A idéia de uma isenção de responsabilidade por um "tempo da graça" é irreal. Cristo, que é gracioso, é ainda mais rigoroso do que a Lei de Moisés. A lei dizia que o adultério consistia em um ato, enquanto para Cristo, um pensamento é suficiente. A Lei ensina o amor ao próximo, ao passo que Jesus, nosso Rabi, nos ensina que isso "não é nada demais" e que devemos amar até mesmo aos nossos inimigos (Lucas 6:32-35), e mais, que devemos amar como Ele (que deu a própria vida) amou, e que ISSO é o sinal de um de seus discípulos (João 13:34-35).

É isso que precisamos ensinar! E é esse ensino que consiste em fazer missões. É isso que pode promover as transformações que ansiamos ver e que muitas vezes não vemos em nosso país.

Dois dias atrás, 15 de janeiro, foi aniversário de Martin Luther King Jr.

Martin Luther King Jr. foi um pastor. E pecador. Adúltero. Porém, ainda que com falhas, quando ele resolveu ensinar e viver a mensagem de Cristo, do sermão do monte, de dar a outra face, de se negar, esse homem ajudou a contribuir para o fim da segregação racial nos Estados Unidos da América, e hoje, anos depois, um homem negro é presidente da nação mais poderosa do mundo. Isso é sal da terra. Essa é a mensagem que gera mudança.

Em seu discurso no Nobel de 1964, Martin Luther King Jr. proferiu as seguintes palavras:

E ainda, apesar destes avanços espetaculares na ciência e na tecnologia, e dos muitos mais que ainda estão por vir, algo básico está faltando. Há uma espécie de pobreza de espírito que aparece em forte contraste com nossa abundância científica e tecnológica. Quanto mais ricos nos tornamos materialmente, mais pobres temos ficado espiritualmente. Aprendemos a voar no ar como pássaros e nadar no mar como peixes, mas não aprendemos a viver juntos como irmãos.

Hoje, podemos traçar alguns paralelos com esse discurso. Os "apostólos" brasileiros tem jatinhos, lanchas, canais de TV e rádios, mas trocam tapas publicamente e são tão parecidos com Jesus quanto um apresentador de programa de auditório.

Precisamos lembrar qual o ensino e que tipo de vida tem um discípulo, um talmidim. Temos que lembrar de que consiste "fazer missões".

No Brasil multiplicam-se os "evangélicos", mas temos uma carência de discípulos, e de reais "missionários", emissários que carreguem a mensagem que REALMENTE importa. A mensagem de Cristo. E essa é a razão de não vermos aquilo que temos ansiado ver. Aquilo que TODA A CRIAÇÂO anseia por ver (Romanos 8:19).

Quando da grande comissão, se muito, haviam ali quinhentos discípulos, e nem todos creram, mas eles foram suficientes para mudar o mundo para sempre. Um homem, Martin Luther King Jr., e aqueles que a ele ouviram, foram suficientes para mudar a história do mundo moderno e os rumos de uma nação.

Onde estão os discípulos do Brasil em meio a seus 30 milhões de evangélicos (dados de 2003)?

Levantemo-nos ó discípulos, e preguemos a Palavra da Verdade. Não olhemos apenas para as dificuldades e medos, mas lembremo-nos que O que envia é O mesmo que promete estar conosco todos os dias. Como dizem, sejamos nós mesmos a mudança que queremos ver.

Que Cristo possa ser gerado em nossas vidas.

Para que possamos ser instrumento para O gerar em outras vidas.

(Texto inspirado na pregação do Pr. Kleber Nobre na 1ª Igreja Presbiteriana Independente de Natal no dia 16/01/2010)